Por despertarem menor suspeita, por serem alvos fceis para aliciamento e at por influncia de parceiros ou familiares j envolvidos nos crimes. Esses so alguns dos motivos que levam as mulheres a ingressarem no mundo do crime, muitas delas j exercendo posio de comando nas faces criminosas. A realidade do aumento da presena feminina no crime reflete nos nmeros. Populao carcerria de mulheres cresceu 55,95% nos ltimos oito anos em Mato Grosso.
Segundo dados da Secretaria Nacional de Polticas Penais (Senappen), em 2016, 529 mulheres estavam presas no Estado, representando 4,54% do total de encarcerados no sistema prisional (11.642). O ano de 2024 fechou com 825 mulheres presas, 6,01% do sistema prisional (13.735). No mesmo perodo, a populao carcerria masculina cresceu apenas 16%, ando de 11.113 em 2016, para 12.910 em 2024.
Estes nmeros consideram apenas os presos em regime fechado. Professora de Criminologia e Direito Penal pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Vladia Soares afirma que o aumento da presena de mulheres no crime organizado e em posies de liderana das faces no apenas um reflexo da desigualdade social, mas tambm da reconfigurao das dinmicas do prprio crime.
“O crescimento est relacionado a diversos fatores. Um deles a represso ao crime liderado por homens. Com a intensificao das aes policiais contra lideranas masculinas, as faces aram a recrutar mulheres para ocupar posies estratgicas, aproveitando-se da menor suspeita que elas despertam. Tambm h a vulnerabilidade social. Muitas dessas mulheres vm de contextos de extrema pobreza, com poucas oportunidades de emprego e educao, tornando-se alvos fceis para o aliciamento por organizaes criminosas. E ainda os laos familiares e afetivos. Algumas mulheres ingressam nas faces por influncia de parceiros ou familiares j envolvidos no crime, assumindo funes importantes dentro da estrutura organizacional. Isso mostra que o crime, assim como a sociedade, tambm se adapta s mudanas e presena feminina, ainda que dentro de uma estrutura violenta e opressora”, aponta a coordenadora-adjunta do Ncleo de Estudos sobre as Vulnerabilidades (Nevu/UFMT).
Vladia enfatiza que o envolvimento de mulheres com o crime organizado no Brasil comeou a ser mais visvel nas ltimas duas dcadas. Antes disso, a participao feminina era, muitas vezes, invisibilizada ou reduzida a papis secundrios, como “mulas” do trfico ou companheiras de criminosos. No entanto, a partir dos anos 2000, com o encarceramento em massa de homens, muitas mulheres assumiram responsabilidades dentro das faces para manter a estrutura funcionando — inclusive em cargos de liderana.
“A presena crescente de mulheres em posies de liderana dentro de faces criminosas em Mato Grosso evidencia a necessidade urgente de polticas pblicas que abordem as causas estruturais da criminalidade, como a desigualdade social, a falta de o educao e a gerao de emprego e renda. Alm disso, fundamental desenvolver programas especficos de preveno e ressocializao voltados para o pblico feminino, reconhecendo suas particularidades e desafios”, completa.
EXTREMAMENTE FRIAS
Muitas presas se destacam pela frieza. Duas delas, consideradas parte da hierarquia da faco Comando Vermelho, ordenam inclusive mortes, at mesmo de dentro da priso. Uma das mais conhecidas, presa desde junho de 2017, Anglica Saraiva de S, a “Angeliquinha”, que j soma 260 anos de priso. Uma das condenaes de Angeliquinha, em maro deste ano, foi de 99 anos e 11 meses de recluso, pela comarca de Nova Monte Verde (968 km ao norte), pelos crimes de homicdio qualificado, ocultao de cadver e integrar organizao criminosa. Ela e outros 14 denunciados responderam por quatro execues cometidas em agosto de 2022, na Fazenda So Joo.
Segundo denncia do Ministrio Pblico, as vtimas chegaram cidade para trabalhar nas obras de pavimentao asfltica, no entanto, foram supostamente identificadas pelos denunciados como integrantes da faco rival, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e, por isso, tiveram as mortes decretadas. Em abril, Angeliquinha foi um dos alvos da operao Patrono do Crime. As investigaes apontaram que ela arquitetou, junto com seu advogado, a gravidez, dentro da Penitenciria Ana Maria do Couto May, para conseguir priso domiciliar, que acabou no deferida pela Justia.
Ela teve o beb na penitenciria. Outro destaque feminino dentro do CV Nithiely Catarina Day Souza, conhecida como “Princesinha Macabra”, presa desde fevereiro de 2022. Em maio de 2024, ela teve a primeira condenao, de 32 anos e 10 meses de priso por envolvimento na morte de Gediano Aparecido da Silva, 19, em janeiro de 2022, em Lucas do Rio Verde (354 km ao norte). Ela gravou a execuo de Gediano e determinou a decapitao.