Estudo do pesquisador Christovam Barcellos, do Observatrio de Clima e Sade, do Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica em Sade (Icict) da Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz), constatou que a dengue vem se espalhando para as regies Sul e Centro-Oeste, onde a doena no era to comum.
De acordo com Barcellos, o estudo constatou a coincidncia dos mapas de ondas de calor que desde 2023 incidiam sobre o Cerrado entrando pelo interior, e de anomalias de temperatura, em comparao s reas de maior incidncia da dengue em 2023 e este ano.
“Esses mapas eram muito parecidos. A gente colocou os histricos de dengue de 2000 at 2020 em uma mquina, ou minerao de dados, e viu a coincidncia de perodos desses indicadores de temperatura. Chamaram a ateno dois fatores importantes, a altitude e essas anomalias de temperatura”, explicou.
Exploso de dengue
O pesquisador observou que havia uma incidncia muito grande de ondas de calor na regio central do pas, superiores a 3 dias na regio do Cerrado, que abrange o oeste dos estados de Santa Catarina, Paran e So Paulo, os estados de Gois, Rio Grande do Sul e grande parte de Minas Gerais.
“A gente resumiu como se fosse uma frequncia de anomalias de temperatura, e nessas reas que est explodindo a dengue neste vero. Mas isso j vem acontecendo como tendncia desde 2020”, disse.
Barcellos disse que essas no eram reas de alta incidncia da doena. Nessas reas, segundo o pesquisador, tinham 5 dias de anomalia de calor e, agora, so 20, 30 dias de calor acima da mdia ao longo do vero, o que dispara o processo de transmisso de dengue, tanto por causa do mosquito quanto pela circulao de pessoas.
Geralmente, as grandes cidades litorneas e quentes, de Santos at Fortaleza, registravam grandes surtos de dengue nos anos de 1990 a 2000.
“Agora, a gente tem surto de dengue, por exemplo, no Distrito Federal, onde a altitude de cerca de 1.000 metros. Pela literatura tradicional, no era para ter casos, porque so regies mais altas onde, noite, geralmente, faz frio e o vero durava pouco, em geral de dezembro a maro, e da comeava a diminuir a temperatura e ter uma seca muito forte. Esses padres esto sendo alterados”.
Desmatamento
Alm do aumento da ocorrncia de eventos climticos extremos, como secas e inundaes, a regio pesquisada vem sofrendo degradao ambiental, especialmente no Cerrado, com o desmatamento, queimadas e converso de florestas em pasto.
“ uma rea que est sofrendo muitos processos de transformao, com gerao de pastos, desmatamento, algumas queimadas, maior seca. H aumento da frequncia de dias quentes, anomalias climticas”, explica.
Barcellos disse que anos ados se houvesse dengue nesses lugares, era para durar muito pouco. “Era para comear em janeiro e acabar em maro. Mas, como o vero est durando muito, com mais chuva e temperatura maior, a temporada de dengue aumenta”.
Segundo o pesquisador, o problema no comeou este ano. A curva de dengue vem aumentando desde setembro do ano ado, o que no era comum.
Na maior parte das regies brasileiras, o pico da dengue comea a diminuir a partir de abril. Alguns lugares, principalmente no interior, podem ter pico ainda em maio ou junho. “Isso muito perigoso, porque as incidncias so muito grandes e a epidemia de dengue pode durar por muito tempo”.
Alerta
Barcellos ressaltou que o estudo serve como alerta para determinadas regies, porque comeou antes e pode durar mais em algumas dessas reas. “A capacidade de previso a gente tem”.
Segundo ele, preciso que haja uma articulao do governo federal, utilizando tecnologia que possa ser ada s prefeituras via governos estaduais, para o combate efetivo ao mosquito transmissor da dengue.
“Existem drones hoje em dia para visitar reas onde o mosquito consegue entrar, e sistemas de informao mais rpidos e eficazes”, disse.
Ele disse que seria interessante que os agentes de sade tivessem em mos todos os dados de pessoas que j tiveram dengue, com endereos, porque ali tem um foco do mosquito. “Isso ajudaria a organizar o trabalho dos agentes de sade que, hoje, no tm instrumentos para o trabalho em campo”, defendeu.
Como a dengue uma doena urbana, rara no meio rural, ele disse que as prefeituras poderiam usar o estudo para deteco de surtos e localizao de focos. O combate tem que ser mais eficaz e rpido, disse o pesquisador da Fiocruz.
O estudo foi publicado no portal Scientific Reports, da revista Nature. O artigo assinado tambm pelos pesquisadores Vanderlei Matos, do Observatrio de Clima e Sade do Icict/Fiocruz; e Rachel Lowe e Raquel Martins Lana, do Centro de Supercomputao de Barcelona, com o qual o observatrio mantm cooperao tcnica por meio do projeto Harmonize.