O casal proprietrio de um berrio e hotel infantil em Sorriso foi indiciado pela Polcia Civil pelos crimes de tortura e castigo, ameaa, maus-tratos e omisso perante a tortura. O inqurito foi concludo e encaminhado nesta segunda-feira (24) ao Poder Judicirio. Ambos seguem presos preventivamente.
A investigao apurou denncias de maus-tratos, tortura mediante castigo e omisso cometidos pelo casal contra oito crianas de zero a cinco anos, faixa etria atendida pelo berrio e hotel infantil.
Dois episdios relatados no inqurito chamaram a ateno da Polcia Civil durante a investigao, cometidos contra duas crianas. Em um deles, a proprietria teria esfregado a calcinha e fralda sujas de fezes no rosto das vtimas, a fim de puni-las por defecarem e doutrin-las conforme seu mtodo.
Outro relato aponta que uma criana autista foi obrigada pela dona do berrio a comer areia, quando ela forou um punhado de areia na boca da menor.
Outros relatos apontaram sufocamentos, mordidas, tapas e puxes de orelha conforme narraram as cuidadoras ouvidas na delegacia.
Foram diversas sesses de tortura contra um beb de um ano de idade, que era amarrado a um toco, com um cinto, e deixado debaixo do sol por horas, at chorar e adormecer sentado.
Em outra situao narrada Polcia Civil, uma criana do sexo feminino, de quase dois anos de idade, sofreu violncia quando foi imobilizada para que parasse de chorar. A investigada colocou o joelho no peito da criana como tentativa de faz-la parar de chorar, na presena de vrias crianas da creche.
Um depoente ouvida na delegacia relatou que em uma das situaes, a dona do berrio jogou gua com uma mangueira no rosto de um beb. Vrios relatos apontam o uso de mangueira contra as crianas, em situaes e perodos distintos. Uma testemunha disse que havia severas restries ao uso do aparelho celular no local e que nunca contou os fatos a ningum porque achava que no acreditariam nela sem filmagens ou fotos.
Uma testemunha que trabalhou como ajudante nos cuidados com as crianas contou que bebs de seis a nove meses eram deixados sozinhos no bero, com mamadeiras na boca, e as cuidadoras eram proibidas de peg-los no colo para alimentar. As crianas eram chamadas de ‘porcos, nojentos, sebosos, mortos de fome’.
A dona do local tirava comida da a e no esfriava para as crianas e bebs avam o dia todo sem trocar de fralda. J o dono da creche foi relatado que ele puxava as crianas pelas orelhas e as colocava de castigo, sentadas em um canto.
Uma testemunha foi intimidada pela investigada que disse se a denunciasse, saberia que foi ela. A testemunha pediu demisso por no aguentar presenciar o sofrimento das crianas.
Inqurito
De acordo com a delegada Jssica Assis, do Ncleo de Atendimento Mulher, Criana e Idoso da Delegacia de Sorriso, os elementos probatrios coletados ao longo da investigao apontam que o casal torturava as crianas de maneira explcita, convicto da impunidade de cometer os atos ilcitos h anos, sem que nenhuma ao fosse tomada.
“Estavam convictos nas manipulaes que faziam com os pais das vtimas e seguros de que no seriam descobertos porque a maior parte das crianas sequer conseguia falar, j que eram bebs”, pontua a delegada.
No decorrer do inqurito, a Polcia Civil ouviu nove ex-funcionrias do estabelecimento, que corroboraram as denncias feitas pelos pais das vtimas e relataram ainda as ameaas feitas pelos donos do berrio.
“Os depoimentos so consistentes e confirmam diversas informaes que levam concluso de que as violaes ocorridas no local eram sistmicas, contnuas e extremamente graves, a ponto de ter colocado em risco a vida de inmeras crianas, h, no mnimo, quase quatro anos”, explica a delegada.
O estabelecimento atendia crianas entre zero e cinco anos de idade, no centro da cidade de Sorriso, e cobrava valores de at R$948,00 por criana.
Entre as agresses narradas pelas testemunhas h relatos de tapas nas ndegas e na boca, mordidas, puxes, golpes com raquetes, empurres e belisces contra as vtimas. A alegao era de os atos serviam para disciplinar as crianas. Mas, as agresses eram imputadas a outras crianas, pela proprietria da creche, quando questionada pelos pais.
Alm disso, testemunhas e uma das vtimas relataram a existncia de um “cantinho do pensamento”, que consistia em um corredor escuro, que dava o ao quarto da proprietria, onde ela trancava as crianas que se comportavam mal e as deixava sozinhas, por at duas horas.
O casal est preso em unidades prisionais da regio Norte do estado.
Escuta especializada
Seis crianas que aram por situaes de tortura na creche e berrio foram ouvidos em procedimento de escuta especializada, conforme prev protocolo estabelecido na Lei 13.431/2017. A escuta feita por profissional especializado e aplicada em casos de crianas vtimas e testemunhas de violncia.
Quatro delas relataram espontaneamente episdios de violncia que presenciaram na creche. H um vdeo, fornecido por uma me, de uma criana que foi ao local uma nica vez, para uma festa, e presenciou as crianas sendo agredidas com tapas e chineladas.
Pais ouvidos
A delegada Jssica Assis tambm ouviu 17 pais e responsveis legais por crianas que foram atendidas na creche. Os relatos apresentados junto aos de testemunhas e as escutas especializadas efetuadas, permitiram Polcia Civil reunir elementos que comprovaram os crimes de torturas e maus-tratos contra oito crianas.
A Polcia Civil aponta ainda no inqurito que o casal procurou mes que denunciaram as agresses na tentativa de manipular, dissuadir e intimidar. Diversas testemunhas relataram ameaas pelo marido da dona da creche.
“As investigaes devem continuar, inclusive, porque diversas mes entraram em contato com a delegacia manifestando interesse em serem ouvidas”, explicou a delegada, acrescentando que a maioria das pessoas foram ouvidas aps a priso do casal, o que se mostrou necessrio diante da intimidao feita pelos investigados.
O familiar de uma criana relata depois que o menor ficou com ferimentos depois de um episdio em que teve a boca cheia de areia pela dona da creche.
A testemunha contou ainda que a criana ficou com trauma, pois quando am em frente creche, o menino grita: ‘No, no, no’ e se joga para baixo do banco do carro. Em certa ocasio, quando a criana ainda frequentava o berrio, o menor chorou copiosamente ao chegar ao local.
A me da criana foi ouvida e afirmou que o filho j voltou com a boca cortada da creche e houve mudanas de comportamento no filho, como retrao, dificuldade na fala e colocar os mos no rosto quando algum se aproximava dele, fechando os olhos, como se estivesse prestes a ser agredido.
A me da criana conta que foi procurada pela dona da creche quando disse que ir retirar a criana do lugar e foi indagada se sabia de denncias sobre maus-tratos no estabelecimento.